terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A REVISÃO CONSTITUCIONAL POR ACTO CONSUMADO

Notícias 100 Censura.
A REVISÃO CONSTITUCIONAL POR ACTO CONSUMADO

Por Tomás Vasques (jurista), publicado em 17 Dez 2012 Ionline

Está a chegar ao fim o ano bizarro em que vigoraram normas do Orçamento do Estado declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, mas cujos efeitos da declaração de inconstitucionalidade não produziram efeitos “por razões de interesse público de excepcional relevo”. Em conformidade, funcionários públicos e pensionistas viram suspensos, durante o ano de 2012, os pagamentos de subsídio de férias e de Natal a que tinham direito, e cuja suspensão, apesar de declarada inconstitucional, não teve consequências. Ou seja, tudo se passou como se aquelas normas fossem legais e constitucionais. Mas não eram. Estas decisões judiciais podem criar precedentes e manhas políticas que facilitam um “novo tipo” de revisão constitucional: a revisão “por facto consumado”. Estamos a assistir, com o Orçamento do Estado para 2013, à repetição do mesmo método: à institucionalização desta “manha política”. Tudo indica que o Presidente da República, a quem compete requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade das leis, vai promulgar o Orçamento, apesar de ter “dúvidas” sobre a constitucionalidade de algumas normas. Depois da entrada em vigor, a 1 de Janeiro, caberá aos deputados (talvez, também, ao Presidente da República, segundo se diz por aí) requerer a avaliação da sua constitucionalidade. Provavelmente, lá para o Verão, algumas normas do Orçamento do Estado serão declaradas inconstitucionais, mas sem produzirem efeitos “por razões de interesse público de excepcional relevo”.

Se não se puser termo, a tempo, a este tipo de revisão constitucional, por acto consumado, que carece de legitimidade democrática, e seguindo esta “lógica política” passiva, de apreciação da constitucionalidade do Orçamento, o mais grave vai acontecer em 2014. A “refundação do Estado”, essa “pérola” com que o primeiro-ministro quer fazer passar, debaixo do “manto diáfano” da troika, a sua revisão constitucional, apresentada em 2010, será plasmada no Orçamento do Estado para 2014: Saúde, Educação, Segurança Social e muito mais – tudo será pervertido, inconstitucionalmente pervertido, em nome de uma “indispensável” poupança de 4 mil milhões de euros, pelo menos. O caminho está à vista: a “refundação”, em forma de Orçamento, será promulgada pelo Presidente da República; quando entrar em vigor, um grupo de deputados requererá a inconstitucionalidade, a qual será declarada pelo Tribunal Constitucional, antes das férias de Verão, mas sem produzir efeitos “por razões de interesse público de excepcional relevo”. O resto, virá por acréscimo. Dir-nos-ão: o equilíbrio orçamental, a economia e o cumprimento dos compromissos externos não permitirão repor em vigor as normas constitucionais derrogadas por “acto consumado”. Este é o caminho, que o actual governo está a seguir. Neste momento, pode parecer falacioso e fantasioso, mas não é tanto quanto o possa parecer; corresponde aos factos e ao seu previsível desenvolvimento se, entretanto, nada os contrariar. Vivemos tempos de fragilidade democrática, em que “os representantes do povo”, respondem a outros interesses. Como disse, num desabafo, Silva Lopes, antigo ministro das Finanças e governador do Banco de Portugal, conhecedor dos meandros do poder: “A gente pensa que são os eleitores que escolhem, mas não são, são grupos de interesses. Há um problema de falta de transparência do Estado. De falta de transparência e de responsabilização.”

PS. Nos dias que correm, é frequente ver citações de Eça de Queirós, retiradas de “As Farpas”, publicadas em 1871--1872, há quase século e meio, e que assentam que nem uma luva no nosso quotidiano político e social. Sem pôr em causa a perspicácia do autor, nos seus mordazes retratos da vida política nacional e social da época, a resistência ao tempo de tais citações só pode ficar a dever-se ao facto de, apesar de ter mudado a embalagem, Portugal e a sua classe política, na sua essência, no conteúdo profundo, não ter mudado muito nos últimos 150 anos.
A REVISÃO CONSTITUCIONAL POR ACTO CONSUMADO

Por Tomás Vasques (jurista), publicado em 17 Dez 2012 Ionline

Está a chegar ao fim o ano bizarro em que vigoraram normas do Orçamento do Estado declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, mas cujos efeitos da declaração de inconstitucionalidade não produziram efeitos “por razões de interesse público de excepcional relevo”. Em conformidade, funcionários públicos e pensionistas viram suspensos, durante o ano de 2012, os pagamentos de subsídio de férias e de Natal a que tinham direito, e cuja suspensão, apesar de declarada inconstitucional, não teve consequências. Ou seja, tudo se passou como se aquelas normas fossem legais e constitucionais. Mas não eram. Estas decisões judiciais podem criar precedentes e manhas políticas que facilitam um “novo tipo” de revisão constitucional: a revisão “por facto consumado”. Estamos a assistir, com o Orçamento do Estado para 2013, à repetição do mesmo método: à institucionalização desta “manha política”. Tudo indica que o Presidente da República, a quem compete requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade das leis, vai promulgar o Orçamento, apesar de ter “dúvidas” sobre a constitucionalidade de algumas normas. Depois da entrada em vigor, a 1 de Janeiro, caberá aos deputados (talvez, também, ao Presidente da República, segundo se diz por aí) requerer a avaliação da sua constitucionalidade. Provavelmente, lá para o Verão, algumas normas do Orçamento do Estado serão declaradas inconstitucionais, mas sem produzirem efeitos “por razões de interesse público de excepcional relevo”.

Se não se puser termo, a tempo, a este tipo de revisão constitucional, por acto consumado, que carece de legitimidade democrática, e seguindo esta “lógica política” passiva, de apreciação da constitucionalidade do Orçamento, o mais grave vai acontecer em 2014. A “refundação do Estado”, essa “pérola” com que o primeiro-ministro quer fazer passar, debaixo do “manto diáfano” da troika, a sua revisão constitucional, apresentada em 2010, será plasmada no Orçamento do Estado para 2014: Saúde, Educação, Segurança Social e muito mais – tudo será pervertido, inconstitucionalmente pervertido, em nome de uma “indispensável” poupança de 4 mil milhões de euros, pelo menos. O caminho está à vista: a “refundação”, em forma de Orçamento, será promulgada pelo Presidente da República; quando entrar em vigor, um grupo de deputados requererá a inconstitucionalidade, a qual será declarada pelo Tribunal Constitucional, antes das férias de Verão, mas sem produzir efeitos “por razões de interesse público de excepcional relevo”. O resto, virá por acréscimo. Dir-nos-ão: o equilíbrio orçamental, a economia e o cumprimento dos compromissos externos não permitirão repor em vigor as normas constitucionais derrogadas por “acto consumado”. Este é o caminho, que o actual governo está a seguir. Neste momento, pode parecer falacioso e fantasioso, mas não é tanto quanto o possa parecer; corresponde aos factos e ao seu previsível desenvolvimento se, entretanto, nada os contrariar. Vivemos tempos de fragilidade democrática, em que “os representantes do povo”, respondem a outros interesses. Como disse, num desabafo, Silva Lopes, antigo ministro das Finanças e governador do Banco de Portugal, conhecedor dos meandros do poder: “A gente pensa que são os eleitores que escolhem, mas não são, são grupos de interesses. Há um problema de falta de transparência do Estado. De falta de transparência e de responsabilização.”

PS. Nos dias que correm, é frequente ver citações de Eça de Queirós, retiradas de “As Farpas”, publicadas em 1871--1872, há quase século e meio, e que assentam que nem uma luva no nosso quotidiano político e social. Sem pôr em causa a perspicácia do autor, nos seus mordazes retratos da vida política nacional e social da época, a resistência ao tempo de tais citações só pode ficar a dever-se ao facto de, apesar de ter mudado a embalagem, Portugal e a sua classe política, na sua essência, no conteúdo profundo, não ter mudado muito nos últimos 150 anos.

2 comentários:

Clotilde Moreira disse...

Disse o Eça: as fraldas e os politicos devem ser mudados com frequência pelas mesmas razões.
Realmente esta maioria cheira muito mal

Isabel Magalhães disse...

Cheira pior que mal. Tresanda!