quinta-feira, 17 de maio de 2012

Estádio Nacional. No início era o Estád(i)o Novo | iOnline

Estádio Nacional. No início era o Estád(i)o Novo | iOnline


Por Rui Catalão, publicado em 17 Maio 2012

Hoje é conhecido como a casa da final da Taça de Portugal. O i recupera o dia da inauguração do estádio, inspirado no modelo alemão dos Jogos de 1936



Os carros vêm às centenas e de todo o lado. A curiosidade é grande. Portugal tem, ao fim de anos e anos de espera, um estádio à imagem dos países desenvolvidos. Ao todo, 60 mil pessoas seguem até ao Jamor para assistir à inauguração do Estádio Nacional. É dia 10 de Junho de 1944, a festa da raça e de Camões. O público chega antes de António de Oliveira Salazar, que aparece às 17h00. É “o atleta número 1 naquela festa de campeões”, como se ouvirá mais tarde no documentário de António Lopes Ribeiro, o cineasta do regime. Pouco depois é a vez de Óscar Carmona, “o árbitro dos destinos da nação na competição da história.” Ambos são recebidos com o hino nacional e uma ovação do povo, enquanto são lançados morteiros e foguetes.


A festa está lançada. O palco serve de sublimação ao Estado Novo. Salazar queria-o desde que, por exemplo, viu o que a Alemanha fez com os Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936. Hitler mandara construir um estádio com 100 mil lugares, pronto a dar uma imagem perfeita da nação nazi. Duarte Pacheco, ministro das Obras Públicas e Comunicações, encarrega-se de pensar e comandar a criação de uma réplica do conceito alemão. Tanto assim que foram contratados Konrad Wiesner e Georg Gunder, dois arquitectos paisagistas alemães ligados às olimpíadas nazis.


Ora, pela porta da maratona entram 3600 filiados da Mocidade Portuguesa. São “3600 rapazes saudáveis e confiantes, esperança do hoje e garantia do amanhã português”, de acordo com o documentário. Desfilam pela pista, entram no relvado e fazem exercícios de ginástica enquanto a banda militar toca. “Todos nos lembramos de quando nos parecia impossível apresentar em Portugal semelhante espectáculo, quando olhávamos cheios de patriótico ciúme para as imagens dos grandes festivais ginásticos estrangeiros que o cinema trazia até nós; para os skols de Praga, para os alemães, para os finlandeses, para os americanos.” O cenário parece o que o Estádio Nacional vai receber mais de 50 anos mais tarde, quando os portugueses se juntarem neste relvado para formar o maior logótipo humano e a maior bandeira humana.


Entretanto é tempo para as competições de atletismo. Nos 100 metros, Alfredo Abrunhosa e Manuel Núncio dão a vitória ao Sporting. Os leões ganham também nos 800 metros, com João Jacinto a ser o mais rápido. Logo a seguir entram as raparigas da FNAT (Federação Nacional para a Alegria no Trabalho), a quem cabe mais um momento lúdico, com muita ginástica. No filme de Lopes Ribeiro repetem-se vezes a fio as ideias do Estado Novo. “Já não vivemos, graças a Deus, naquela época em que parecia mal às mulheres portuguesas cuidarem da higiene e da saúde do corpo, não se preparando convenientemente para a sua altíssima função.”


A parada prossegue com o desfile de praticantes de todas as modalidades: cavaleiros, pescadores de linha, caçadores, atiradores, tenistas, esgrimistas, remadores, velejadores, ciclistas, futebolistas, corredores, saltadores, lançadores de tudo e mais alguma coisa e até os atletas da academia coimbrã, cobertos pelas capas negras. É então que um atleta sobe ao púlpito para prestar homenagem aos chefes. Primeiro a Carmona – “sem vós, sem a continuidade da revolução, não teria sido possível o nosso ressurgimento, não teria sido possível, portanto, a construção do Estádio Nacional” – e depois a Salazar. “Devemos-te a esperança, devemos-te a paz, devemos-te o presente. Mas a partir de hoje a nossa dívida por vós é ainda maior. Devemos-te a certeza, devemos-te a alegria, devemos-te o futuro. Em nome de todos nós, em nome de todos aqueles que hão-de vir depois de nós, mais fortes e mais saudáveis, bem hajas, Salazar, por teres cumprido a tua promessa. Obrigado pelos séculos fora, obrigado para sempre.”


Só depois disto há espaço para o futebol. Sporting (campeão nacional) e Benfica (vencedor da Taça de Portugal) disputam dois troféus: a Taça Império (a Supertaça desta altura) e a Taça Estádio, criada pelo governo de Salazar. Nos leões, treinados por Joseph Szabo, vive-se a tragédia de António Marques, cuja mãe morre na véspera. Mesmo assim, e sem dormir, acaba por jogar, porque não há ninguém para substituí-lo.


O primeiro golo surge apenas na segunda parte, aos 60 minutos, por Peyroteo. O Sporting tem mais uma série de oportunidades para matar o jogo, mas não marca. Albano falha uma, falha outra e o Benfica empata, através de Espírito Santo, na sequência de um livre marcado por Albino. Ninguém desempata, por isso há prolongamento. Nessa meia hora, Peyroteo bisa e Eliseu faz o 3-1. O melhor que o Benfica consegue é um golo de Julinho para compor um pouco mais o resultado.

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